terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Entre os muros da escola...

... ou "Entre les Murs" é um filme tão realista que temos a sensação, várias vezes durante o filme, de que se trata de um documentário ou algum "reality show" escolar.
Pra quem não sabe, "Entre os muros da escola", dirigido por Laurent Cantet, é um filme francês lançado em 2008, ganhador do Palma de Ouro e muito comentado por aqui, principalmente no meio educacional. O filme se passa em uma escola da periferia de Paris cujo alunado é, em grande parte, imigrante ou descendente de imigrantes de vários continentes do mundo.
Americanos, asiáticos, africanos e é claro europeus dividem uma mesma sala (de 7a série) e têm um problema em comum, a dificuldade no aprendizado da Língua Francesa. Na verdade a maior parte das cenas se passa em sala de aula, especificamente nas aulas do professor de Francês François Bégaudeau (nome real do ator que também é roteirista do filme e escreveu o livro homônimo "Entre les murs").
Além das cenas em sala de aula, vemos também cenas dos conselhos de classe da escola (cujo prática foi importada pelo Brasil) , da reunião no início do ano letivo da escola, os intervalos dos professores, cenas do pátio da escola também no intervalo, reunião de pais, etc. Tudo bem parecido com a organização do nosso ensino público no nosso país. Revela as mesmas dificuldades no ensino de turmas que reúne problemas de todos os tipos como discriminação, indisciplina, a recusa em aprender e o esforço e angústia dos professores que ao se depararem com esta realidade.
É surpreendente perceber o quanto nos identificamos com o dia a dia de uma escola européia já que estamos acostumados a ter os sistemas europeus como referência e até modelo de educação de qualidade e mostra claramente o que muitos políticos querem esquecer ou camuflar, uma realidade social complicada cuja responsabilidade cai na cabeça de professores, diretores, coordenadores das escolas públicas no país. Estes formam o front das batalhas cotidianas enfrentadas por todos nesta complexa sociedade, que, pelo que pudemos observar, em maior ou menos escala, não apetece só países em desenvolvimento.
Uma boa dica de filme para quem trabalha com formação de professores pois se converte em efetivo apoio na reflexão acerca de vários aspectos da trama educacional tendo em vista que, quando observamos imparcialmente o objeto de estudo, conseguimos analisar com mais coerência e razão os problemas (e possíveis soluções) que nos cercam.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Aprendizado de carnaval: A jardineira


- Mamãe, eu aprendi a música da jardineira.
- Foi filha, que bacana! Vamos cantar?
- Sim, mamãe.

A JARDINEIRA
(Benedito Lacerda-Humberto Porto, 1939)


Ó jardineira porque estás tão triste

Mas o que foi que te aconteceu

Foi a camélia que caiu do galho

Deu dois suspiros e depois morreu


Vem jardineira vem meu amor

Não fiques triste que este mundo é todo seu

Tu és muito mais bonita

Que a camélia que morreu
 
 
 
Queria tanto ser a jardineira. Rs.
Tempos bons estes quando não existia "Rebolation".
Ainda bem que a delicadeza e a poesia ainda podem ser ensinadas.
Nota 10 para as escolas que fazem isso. Elas merecem.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Horizonte de sentidos II

Então... pessoas que me acompanham...
Este ano promete muitas novidades. Além dos eventos importantes que estão por vir e que devem chamar a atenção de todo mundo, em maior ou menor grau, como a Copa da África e as eleições gerais, particularmente para mim será um ano cheio de expectativas e talvez de muitas mudanças por outros motivos.
Além do mestrado, que deverei terminar até agosto/setembro do ano corrente, com a graça de Deus e toda paciência e perseverança do mundo, serei professora de uma turma de 1o ano e confesso: Nunca dei aula pra crianças tão novinhas. Muitas começarão o ano letivo com 5 anos de idades. Imaginem isso. 30 crianças entre 5 e seis anos de idade... Jesus!!! Me ajude!!! Mas eu escolhi, acreditem. Primeiro pra continuar a parceria com minha colega de trabalho Tânia. Além da amizade que estamos cultivando, ela é muito competente e comprometida e tenho certeza que nos divertiremos e aprenderemos muito nesta nova empreitada. Segundo, acho que apesar do cansaço físico que provavelmente será maior, acredito que teremos um ano menos tenso. Trabalhar com final de ciclo durante 4 anos tem sido bem estressante.
Afora as novidades acadêmico-profissionais, receberei em minha casa duas pessoas da família por alguns meses e quem sabe "num" futuro próximo poderemos estar todos juntos novamente, vivendo as mesmas estações climáticas. Curtindo as tão sonhadas reuniões de fim de semana... ah! com eu queria...
A família tem uma função muito importante na vida das pessoas. Ela nos mantém próximos de quem a gente é, do nosso horizonte de sentido.
Horizonte de sentidos é tudo aquilo que nos tem significado e são fundamentais para a qualidade de nossa atuação no mundo. É o que compõe nosso mundo particular. O que nos dá identidade e nos diferencia das outras pessoas.
No livro Quem me roubou de mim?, padre Fábio de Melo explica: "O horizonte de sentido é uma conjugação de inúmeros fatores. A cidade onde moramos, a história já vivida, a casa que nos abriga, os lugares que frequentamos, os amigos que temos, as crenças que professamos, as relações cotidianas, enfim, tudo isso compõe o nosso mundo particular. 
É a partir deste mundo que enxergamos o outro mundo, que não é somente nosso, mas também nosso..." 
Por isso pessoas que são sequestradas sofrem uma violência absurda. Além de estarem reféns, sem a liberdade de ir e vir, presas em um cativeiro, elas são retiradas da materialidade que constitui seu mundo particular. Ficam tão confusas, fragilizadas que acaba se rendendo e as vezes ate estabelecem uma relação amistosa com o sequestrador.
Muito ricas as palavras do padre neste livro. Nos faz pensar sobre situações nossas, sentimentos nossos antes tão difíceis de compreender, de lidar. Tão sofridos. Por que se pararmos pra pensar, mesmo que não tenhamos passado por nenhuma situação de sequestro, muitas vezes, por decisão nossa, deixamos este mundo particular, pelo menos sua materialidade, e acabamos sofrendo a mesma condição de vítima. Condição de  fragilidade, de perda de tudo aquilo que nos faz sentido. E é aí que entramos em depressão e nos deparamos com nosso lado mais feio, mais triste.
Senti isso quando mudei de cidade e deixei minha família, minha casa, meus amigos. Senti falta do cheiro da comida da mãe e do seu colo sempre disponível. De seu bom senso. Do cheirinho dos lençóis, do quarto. Até do calor infernal que faz ali. Do interesse do pai em saber como foi o dia e de como ele realmente acredita que somos capazes de qualquer coisa. Do café da manhã, ou almoço, ou jantar ou qualquer outra situação em que a família se reunia e conversava, conversava, conversava...
Superei isso pela paixão e pelo amor que aos poucos foi se consolidando e, sobretudo, pelo amor maternal que posteriormente descobri e engrossou meu horizonte de sentidos. Me devolvendo a segurança antes balançada pelo afastamento.
Por isso estou tão animada com novas possibilidades e tão preocupada com as possíveis mudanças. Mas seguindo em frente... sempre...

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Será que eu mereço?

Hoje fui fazer a prova do Processo de Promoção por Mérito para os professores da rede estadual de São Paulo.
Confesso que fiz a prova com uma tristeza muito grande, sentindo vergonha de estar participando de uma coisa que não acredito. Mas assim o fiz por que também me imaginei sem fazer, vendo outras pessoas terem seus salários aumentados em 25%, um pouco mais digno e mais próximo de uma salário decente. Nada mais justo para quem passa o ano letivo se descabelando, correndo atrás de atividades que melhor estimulem o desenvolvimento dos alunos, gastando tinta da impressora imprimindo-as, ou usando seu próprio dinheiro para reproduzí-las. Sofrendo com aqueles que por algum motivo não avançam e, ainda mais, quando conhece um pouco de suas histórias de vida, carentes de tudo.
Nem precisaria assistir às tristes imagens do Haiti.
As vezes fico tão sensibilizada que tenho vontade de adotar alguns deles e cercá-los de tudo que acho necessário para a formação de, mais do que de um trabalhor criativo, resiliente, pró-ativo, autônomo, como alguns preferem, uma pessoa feliz, segura de sua identidade, que saiba compreender os outros e que consiga ler nas entrelinhas da vida, a riqueza de se relacionar com outras pessoas. Conhecer é mágico, humaniza. Mas de que vale o conhecimento se ele não trouxer a felicidade, a vontade de se relacionar com os outros de maneira saudável, pacífica, solidária, humanizante?
Esta questão pouco é trabalhada em nossas escolas e a mim parece fundamental. Para que conhecer?
Hoje porém não havia nenhuma questão sobre o "para que conhecer?". Ou outras tão importantes quanto, "para que escola?", "que escolas queremos?".
Não, para algumas pessoas são questões inúteis. Interessa é saber se aquilo que alguns educadores acreditam como sendo o melhor método e a melhor metodologia de ensino, aceitas e defendidas pelo Estado, foram assimiladas pelos professores, mesmo que não se acreditem muito nelas. Aliás, nem sequer é necessário que aquela prática da alternativa na qual você marcou um "xis" seja realmente uma prática sua. É só ser cínico ou cínica o bastante e um pouco inteligente para, conhecendo aquilo que os avaliadores querem constatar e assim o fazer.
Ao invés da solidariedade, da humanização, a concorrência, a disputa, a busca pelos resultados (que são apenas números para quem tá no alto escalão das políticas públicas). O rankiamento que desmobiliza, desagrega, desestimula, desmotiva, deprimi, corrói.
Mesmo no meio empresarial (de onde são retiradas as grandes idéias administrativas que visam a qualidade de serviços e produtos), empresas sérias, do meio corporativo, sabem o quanto a discrepância salarial entre funcionários de mesmo cargo podem causar na auta estima dos mesmos, nas relações entre pares e o estrago que estes podem provocar na chamada produtividade.
O São Paulo Futebol Clube, por exemplo, conhecido por ser um time estável, regular, o grande ganhador de campeonatos brasileiros, se não é, sempre está no rol dos cinco melhores, time de auta produtividade, assim o é, pois tem uma administração séria, coerente que, dentre outras coisas, se recusa a contratar jogadores com salários muito mais altos que do restante do time. Para não ruir o que conquistou até agora.
Aí me lembro que o aumento de 25% no salário, um aumento considerável, que poderia sim causar impacto na educação no Estado, será benefício de apenas 20% dos professores que prestaram a prova hoje, em todo Estado. Parece o número razoável, se não fossem os 80% restante, que ficarão com o salário 25% menor que de seu colega da sala ao lado, que trabalha o mesmo tempo, as vezes é menos experiente, as vezes usa o cargo público como segundo emprego e por isso não se dedica tanto, mas conhece as regras do jogo e é esperto o suficiente pra passar numa prova que nem de longe avalia outros fatores fundamentais na escola dita de qualidade (alguém sabe me dizer que qualidade é essa?) como dedicação, perseverança, solidariedade, respeito, ética, responsabilidade, compromisso, paciência.
Alguns colegas vão discordar de mim. Mas estes e nós outros, no final,  somos só números. Professores, alunos, escolas... só números.